sábado, 27 de outubro de 2018

cão fiel do nosso exagero

Poema: Luís Caminha-Antóneo
Música: ?


e nem por isso bebi
e nem às tantas de ti
pedaço de fantasia
em mesa de esquecimento
o corpo que percorria
a noite que percorrendo

e nem por sonos sonhei
e nem de buscas te sei
sussurros com pedra fria
palavras que à boca invento
digamos que não havia
mais tu do que não havendo

e nem por muito se quis
e nenhuma alma condiz
talvez como quem te queira
verdades como te quero
mentiras desta maneira
em tempos já fui sincero

e nem por tudo o que faz
furtivo artista capaz
de saltos sob a fogueira
em cinzas do meu desvelo
por brasas como se esgueira
cão fiel do nosso exagero


                    Leceia e 27 de outubro em 2018

terça-feira, 9 de outubro de 2018

arrependimento

Poema: Luís Caminha-Antóneo
Música: ?


Aborreço o alvoroço à minha volta,
a TV, as conversas, o paciente
olhar dos outros para o meu desnorte,
o trabalho escusado sobre a porta,
as pantufas até de quem pretende
calmar ao fim da tarde o meu galope.

Mas o que mais aborreço
é este arrependimento,
rato sôfrego cá dentro:
amigo do meu amigo
gostaria de ter sido
na tormenta que me coube,
de ter travado em palavra
a hipocrisia que a trava
sempre que a vida ma trouxe.

Aborreço que todos os domingos
as melgas se organizem e por turnos
venham saber se continuo vivo,
aborreço que os espectros desavindos
no meu passado de animal nocturno
sempre me assombrem sem passar recibo.

Mas o que mais aborreço
é este arrependimento,
rato sôfrego cá dentro:
imune ao medo e ao perigo
de perder o já perdido,
quem me dera ter amado
as coisas simples da vida
sem a ânsia de quem precisa
nem o peso do passado.

                    Leceia e 8 de outubro em 2018

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