segunda-feira, 30 de julho de 2018

ressaca


Música: ?
Poema: Luís Caminha-Antóneo

Depois da Margarida, a verdade é que
fiquei a odiar o triple sec.
Anos depois, a louca da Maria
oferecia-me whisky... e eu bebia.

A Mariana, essa quase a sei de cor,
que entre gins me elegia um mal menor.
Já a Dora: gostava do bom vinho
e foi com ela que eu estive melhorzinho.


Assim começa a lista, assim começa,
era eu miúdo e amor era promessa.

Nem sei o nome da que num minuto
me fez em shots e me chamou de puto
mas lembro ainda menos a Cristina,
que me enjoou com licores de menina.

A belga, quase não a conheci...
mas essa só queria eau-de-vie.
E o que dizer da incrível Gabriela
que me afeiçoou ao álcool com canela?


Assim prossegue a lista, assim prossegue,
da minha propensão a ser alegre.

Mais incríveis ainda, a Ana Maria,
que se banhava em vodka... e eu sorvia,
e essas gémeas de Arroios, que eram minhas
em troca de outras tantas caipirinhas.
A Xana? Essa era rum e coca-cola
mas decerto não fomos muito à bola.

Sem esquecer a Clarinha, esse pedaço
de mulher no café do meu bagaço.

E acaba aqui a lista. Vivo em paz,
há muito que só bebo água com gás.


                              Leceia e 30 de julho em 2018
                              (Primeira versão: Lisboa e 10 de setembro em 2007)

segunda-feira, 23 de julho de 2018

dó maior

Música: ?
Poema: Luís Caminha-Antóneo


Mas que me aconteceu hoje?
Dentro um grilo sob a cama
a gritar a gritar
e lá fora o mundo em chamas
a doer a doer
a doer-me de todos.

Ah! diabo do grilo
a cuscar a cuscar a cuscar
no centro dos meus ouvidos!
Meu amor, se vieres,
liberta a nossa língua,
vem beijar de saliva a serrilha

das minhas asas partidas.

Mas que fábrica de vento!
Num sopro arrumou a casa
de pernas para o ar,
esta biografia tarda
contraída no chão
de tantos livros mortos...

Ah! diabo do grilo
a cuscar a cuscar a cuscar
no centro dos meus ouvidos!
Meu amor, se viesses
atrás da nossa língua,
beijarias de novo a serrilha
das minhas asas partidas...


                         Leceia e 23 de julho em 2018
                         (Primeira versão: Lisboa e 16 de agosto em 2007)
.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

estertor

Música: ?
Poema: Luís Caminha-Antóneo


Finalmente febril
ajeito-me a um canto do nosso chão:
nós tão aqui e o mundo a mil
e o meu corpo no teu abraço
e nos teus olhos tudo o mais que faço,
e nos teus olhos tudo o mais que faço.

Agora
não existe mais nada
que angústia dedilhada
em ritmos sincopados
tão que sim tão que não
que sim já que não tão
já que não então sim.

Sob as sombras do tecto
um andar por telhas da tua mão:
o paraíso é tão directo
como um sol que viaje por dentro,
como bombom de inferno em vai de vento,
como bombom de inferno em vai de vento.

Agora
não existe mais nada
que espera dedilhada
em ritmos sincopados
tão que sim tão que não
que sim já que não tão
já que não então sim.

Nem ideia sequer
de quantas manhãs na vida se vão:
se isto for asa e me quiser
há-de ser tudo o que me tem
na noite à noite que esta noite vem
na noite à noite que esta noite vem.

Agora
não existe mais nada
que entrega dedilhada
em ritmos sincopados
tão que sim tão que não
que sim já que não tão
já que não então sim.


                         Leceia e 16 de Julho em 2018
                         (a partir de 2 poemas anteriores, de tema diferente: poema 1; poema 2)

segunda-feira, 9 de julho de 2018

pouco me importa [moliendo café]

Canção Original: Hugo Blanco [ Moliendo Café ]
Poema: Luís Caminha-Antóneo

Pouco me importa quantas vezes junto à sua porta
me apunhalou a sangue frio por ser eu quem sou,
pouco me importa e na verdade nem receio a hora
do riso a mais que ela desata nos meus funerais.

Se ainda me quer mal, pouco me importa:
a morte tem um quê de quase morta
se não acaba a manhã nem a noite é fatal.


                              Leceia e 9 de julho em 2018

segunda-feira, 2 de julho de 2018

O regresso do soldado [Leise flehen meine Lieder]


Original: Música de Schubert [D 950 n.º 4], com poema de Ludwig Rellstab ["Leise flehen meine Lieder"]
Poema: Luís Caminha-Antóneo


Ninguém sabe em toda a aldeia
o que ele viu por lá,
quantos corpos nas trincheiras
tem a dor que traz.

Vem diferente, olha de lado,
já não diz olá;
mata ainda, corre o boato,
neste vão de paz.

Cabisbaixo, mãos nos bolsos,
cai de quando em vez,
destruído de remorsos
pelo mal que fez.

Os seus olhos entretanto
são rubis de dor,
sangue e choro mesmo quando
toda a luz se for.

É talvez herói de guerra,
desertor talvez,
morto como quem só espera
pela sua vez.



                         Leceia e 2 de julho em 2018

asas partidas

Poema ( original de 2007 ) e "música": luís caminha-antóneo que me passou hoje? como dentro um grilo sob a cama  a gritar a g...